Transplante de Olho Inteiro: Quão Perto Está a Medicina de Torná-lo Realidade?

Da Redação

Apesar dos avanços extraordinários da medicina, o transplante de um olho inteiro com função visual plena continua sendo um dos maiores desafios da ciência moderna. A complexidade envolvida não é trivial, e os limites atuais da biotecnologia, cirurgia e neurociência ainda precisam ser superados. No entanto, como mostra o médico Claudio Lottenberg em artigo publicado na Revista Veja, o progresso é real – e promissor.

Um marco recente foi o caso de Aaron James, veterano norte-americano que, em 2021, sofreu uma descarga elétrica de mais de 7 mil volts enquanto trabalhava como eletricista. O acidente devastador causou a perda de seu olho, além de parte do rosto. Dois anos depois, em 2023, James foi submetido à primeira cirurgia conjunta de transplante de face e de olho inteiro, realizada no Langone Health, hospital ligado à Universidade de Nova York (NYU).

A cirurgia, experimental e histórica, mobilizou 140 profissionais e durou mais de 20 horas. Embora o olho transplantado ainda não tenha devolvido a visão ao paciente, o procedimento abriu novas fronteiras para a medicina. Por exemplo, a equipe conseguiu ligar a artéria da têmpora à artéria oftálmica, preservando a irrigação sanguínea do olho – um passo essencial para manter a viabilidade dos tecidos oculares, incluindo a retina.

No entanto, como destaca Lottenberg, a restauração da visão depende de um fator ainda mais complexo: a reconexão do nervo óptico ao cérebro. O nervo óptico, com seus milhões de fibras microscópicas, é o "cabo de dados" entre o olho e o córtex visual. Reconectá-lo com precisão e funcionalidade é o maior obstáculo técnico, algo ainda fora do alcance das tecnologias atuais.

Mesmo assim, há sinais animadores. Durante a cirurgia, os médicos injetaram células-tronco no nervo óptico, na esperança de estimular uma regeneração. A experiência, embora incipiente, representa uma abordagem experimental ousada que poderá inspirar terapias futuras.

Para entender a dificuldade do transplante ocular, é preciso considerar a complexidade anatômica do olho. Ele é composto por três camadas principais: a esclera (parte branca) e a córnea; a camada média, que inclui a íris e o cristalino; e a camada interna, onde está a retina. Cada uma dessas partes precisa estar anatomicamente íntegra e funcionalmente conectada ao sistema nervoso e circulatório do receptor.

O caso de Aaron James mostra que, ao menos do ponto de vista vascular e estrutural, o transplante de um globo ocular já é viável. O próximo desafio, monumental, é tornar esse olho funcional para a visão.

Assim como o transplante de córnea, que hoje é uma prática consolidada, parecia impossível décadas atrás, o transplante de olho inteiro com função visual pode deixar de ser ficção científica num futuro não tão distante. Mas isso só será possível com investimentos robustos em ciência, tecnologia e inovação médica.

Como ressalta Claudio Lottenberg, a linha que separa o possível do impossível está sempre em movimento — e a medicina, geração após geração, é uma das maiores forças a empurrar essa linha para frente.

Crédito: Artigo baseado no texto original de Claudio Lottenberg, publicado na Revista Veja.

 

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